embeb src= "http://www.anos60.com/adagio/bach_air_on.wma"type="audio/mpeg"autostart"true" loop="true">

segunda-feira, setembro 26, 2005


Chaves na mão, melena desgrenhada
Batendo o pé no chão, a mãe ordena
Que o furtado colchao, fôfo e de penas
A filha o ponha ali, ou a criada
A filha, moça esbelta e aperaltada
Lhe diz c'oa doce voz que o ar serena
Sumiu-se-lhe o colchão? É forte pena
Olhe não fique a casa arruinada
Tu respondes assim, tu zombas disto?
Tu cuidas que por ter pai embarcado
Já a mãe não tem mãos?
E dizendo isto arremete-se-lhe à cara e ao penteado
Eis se não quando
Caso nunca visto
Sai-se-lhe o colchão
De dentro do toucado
Nicolau Tolentino - 1741/1811

sábado, setembro 24, 2005

Ambição


Ambição
Sempre tinha sido ambicioso. O pai ensinara-o nas artes e manhas da guerra. Chamava-se Gil e era o terceiro filho. So lhe restava mesmo ser soldado e lutar mas, nao era isso que queria. Queria mais, queria poder . Mas sem fortuna nunca o iria alcancar. Desde os 11 anos , quando entrou ao servico do Marques como pagem que se preocupava com isso.
Os dois irmaos mais velhos eram fracos. Um herdaria as terras do Pai , o outro estava destinado ao clero.
Agora era o Senhor de tudo. Ambos os irmaos tinham desaparecido. O mais velho num acidente de caça, uma besta tinha-o trespassado mortalmente . Nunca se chegou a saber quem a tinha disparado. O outro, tinha caido, acidentalmente , numa ravina quando andava a meditar pelos montes.
Era o Senhor daquelas terras mas ainda nao tinha poder. Terras estereis pelo vento cuja unica sementeira eram os enormes pedregulhos e os camponeses ranhosos que aqui e ali se arrastavam esfomeados. Sem serventia, sem futuro.
A solucao estava no seu casamento com a filha do Marques, uma menina ainda, com apenas 12 anos ,mas mostrando ja formas airosas de mulher –crianca e, sobretudo, herdeira da imensa fortuna do pai. Mas o Marques tinha outros planos para a filha. O principe herdeiro, seu primo em 2º grau, dera mostras de reparar na rapariga e era a ele que o Marques a destinava.
Teria que fazer alguma coisa antes que tais planos se concretizassem.
Como antigo pagem e vassalo , tinha livre entrada no castelo e grajeara a amizade do seu suserano. Poderia entrar quando lhe apetecesse - ou melhor , quando os seus planos estivessem completamente delineados. O Marques teria que desaparecer. Nao num acidente como os irmãos mas de forma que, sem ser dado como morto, nunca mais aparecesse. Ele poderia assim insinuar-se e casar com a menina, alargando o seu territorio e ficando com uma fortuna imensa.
Uma das alas do Castelo sofrera uma enorme degradação no ultimo Inverno e estava a ser recuperada, Gil ofereceu-se gentilmente para superintender os trabalhos.
“ – O Intendente tem muito trabalho – disse ao Marques – Precisa de alguem de confiança que vá vigiando o ritmo das obras.
- Fico imensamente grato com a tua oferta e aceito de bom grado, o Intendente está a ficar velho para arcar com tudo e quero ver se tenho tudo em ordem para o casamento da minha filha.
- Ah! Já está acertado o casamento? – perguntou Gil inquieto
- Bem, ainda nao falei oficialmente com o Rei, até porque Branca é ainda uma menina mas dentro de uns meses falarei e estou certo que a alianca será do seu agrado.

Gil ficou pensativo. Teria que arranjar tudo naqueles meses . Planear os mínimos detalhes para que nada corresse mal. Não poderia haver testemunhas da sua presenca no Castelo nesse específico dia. Menos ainda acompanhando o Marques. E teria que ser rapido. A ala em obras era a mais afastada da entrada principal por isso poderia entrar e sair sem ninguem notar. O dificil era atrair o Marques ao local sem que ninguem notasse. Teria que ser num Domingo, antes da hora da Missa para que nenhum trabalhador la estivesse.
Foi tudo pensado e repensado. O Marques desaparaceu, num soalheiro Domingos de Ramos, dentro de um dos novos muros do seu Castelo. Gil soube consolar Branca, acompanha-la no seu desgosto e tornar-se tão indispensável que a Menina, em breve, aceitou aquela mão que generosamente se lhe oferecia.
Tinha, finalmente, alcancado o seu tão ardente desejo. Riqueza e Poder.
Remorsos ou escrupulos nunca soube o que eram.

Zica Caldeira Cabral

quinta-feira, setembro 22, 2005



Justiça
Horemheb fazia guarda ao tumulo do Farao. Ainda não fora enterrado mas parte das riquezas que o iriam acompanhar ja estavam no tumulo. Nada poderia perturbar o sossego daquele Farao-menino ,tao barbaramente assassinado. Ao menos, na sua viagem eterna poderia ser feliz. Tinha tido poucos momentos agradaveis na sua curta vida e Horemheb estava determinado
a nao deixar que nada acontecesse sob a sua guarda.
Começava a cair a noite e um vento frio percorreu o Vale dos Reis. Sabia que o que estava a guardar era precioso, tudo acompanharia o Farao na sua longa viagem pelo Rio-Céu ate ao julgamento final do seu Ka.
Horemheb tinha sido educado na religiao monoteista de Aton , o Deus Solar. Deus unico que governava a Terra e o Ceu com sua imensa sabedoria e justica. Assistira a reposição da antiga religiao politeista, após a morte do Faraó Akhen-Aton (seria Amenofis IV, mas mudara o nome em honra do seu Deus) , com o desfilar dos seus deuses e deusas que nao compreendia muito bem. A Deusa Ma-at – da justica e do equilibrio – era a que mais se assemelhava a Aton mas era so parte dele. Claro que tinha calado fundo as suas crenças sob as novas ordens. Seria destituido do exercito e, quem sabe, morto se as ousasse expressar. O monoteismo de Akhen-Aton , viera desiquilibrar a ordem e organização do Egipto. Tirara o poder aos sacerdotes e vizires que governavam as provincias atraves dos templos dedicados aos inumeros deuses. Ao impor um Deus unico, Aken-Aton tinha centralizado, ainda mais, o poder e a organização economica do Egipto. Mudara a capital para Tell-el-Amarna que construira de raiz para a adoração do seu Deus Aton e, onde residia com a sua mulher Nefertiti e as sua filhas. A Quarta, Ank-Paton viria a ser a mulher do Farao Tut- Ank- Amon. Casaram ainda criancas, ele com 9 anos e ela com 5. Tut-Ank-Amon era o unico filho varao de Aken-Aton, nascido de uma concubina.
A paz que se fez sentir durante os 20 anos do seu reinado aumentara, ainda mais, a frustração dos sacerdotes que haviam perdido o poder.
Porém o desiquilibrio, economico e politico, ameaçava a independência do Egipto
Quando Tut-Ank-Amon subiu ao trono (com apenas 15 anos), como herdeiro legal de seu Pai e sogro, os sacerdotes de Amon souberam fazê-lo desistir das ideias hereticas de seu Pai e retomar, assim, o poder que lhes tinha sido retirado.

Horemheb suspirou. Era uma grande honra estar de guarda ao tumulo do Farao mas, ao mesmo tempo, era um trabalho solitario e perigoso. Se fosse atacado por ladrões de tumulos so tinha uma lança e um punhal para se defender . E estava sozinho naquela imensidão. Os outros guardas dormiam nas tendas bastante longe dali.
De subito virou-se! Tinha ouvido um ruido surdo, como que um rastejar. Mas não era uma cobra era algo mais pesado, como um corpo. Embora o luar iluminasse todo o Vale dos Reis, Horemheb não conseguia distinguir com clareza os pormenores. Ouviu outra vez o rastejar, pegou no archote e deu uma volta ao tumulo. Nao conseguia ver nada e pensou que era a sua imaginação a pregar-lhe partidas. Deu, mais uma volta em redor e voltou ao seu posto, ao lado da grande porta de entrada do Tumulo.
De repente sentiu-se sufocar. Maos de ferro agarravam-lhe o pescoco por trás , tentando estrangula-lo. Horemheb valeu-se do treino que tinha no exercito, agarrou os bracos do atacante e puxou-o violentamente para a frente. O homem fez uma curva por cima da sua cabeca e foi estatelar-se nos degraus de acesso ao tumulo. Horemheb ia mata-lo com a sua espada mas ouviu barulhos de dentro do tumulo. Eram os ladroes e, se nao os impedisse , iam saqueá-lo.
Abriu a pesada porta e apontou o archote para o interior. Era uma ante-camara, ainda vazia, que dava acesso a Camara Real. De lado havia uma porta com outra camara mais pequena, sem saida que ja se encontrava recheada de tesouros e oferendas que acompanhariam o Farao na sua viagem final. A porta de pedra estava entreaberta. Era ali que estavam os ladroes. Nao hesitou. Empurrou a porta e trancou-a com a pesada trave de madeira que se encontrava caida no chao. Aqueles nunca mais veriam o Sol a nascer. O outro tivera mais sorte e fugira. Fora contar ao resto do bando como os seus companheiros tinham sido enterrados vivos , naquela camara minuscula, devido à sua ganância.
Se aquele destino era cruel – pensou Horemheb – mais cruel seria o julgamente a que seriam sujeitos no tribunal de Osiris. A profanação do tumulo do Rei-Deus era um crime sem perdão. Fora feita justiça.
Zica Caldeira Cabral

Uma amiga especial


Começou mais ou menos em Maio. Os dias eram quentes e a janela do meu quarto estava aberta dia e noite. Quando vinha das aulas, por volta das 7 da tarde, sentava-me,a estudar, à mesa de camilha que estava em frente da janela de sacada com uma pequena varanda. Um dia ela poisou no parapeito da varanda, fiquei tão admirada que esfreguei os olhos, devagar, julgando estar a sonhar, sustive a respiração com medo de a assustar, respirei o mais silenciosamente possivel e comecei a falar com ela baixinho. Parecia gostar do tom da minha voz porque ficou a olhar para mim, empoleirada no parapeito da varanda, muito quieta, com a cabeça inclinada. Era a maior coruja branca que eu já tinha visto. E estava ali, à minha frente, como se me estivesse a admirar.
Sempre adorei corujas mas nunca tinha visto nenhuma de tão perto, em liberdade e empoleirada no parapeito da varanda do meu quarto. Fugiu quando um dos meus filhos bateu à porta e – como de costume – mesmo antes de eu responder a abriu ruidosamente.
Eu contei o que tinha acontecido mas ninguém acreditou.
“ – Pois Mãe, conte outra! Uma coruja branca aqui, em S. Amaro de Oeiras e na sua janela!!!!!!!!!! Estava a dormir e sonhou com isso......
- Mas é verdade! Era uma coruja branca. Eu nao sonhei, estava a estudar e não a dormir.”
Mas não houve processo de os convencer que era verdade. Eu própria comecei a duvidar do que tinha visto e não falei mais do assunto.

Três ou quatro dias mais tarde, quando cheguei das aulas, poisei os livros em cima da mesa e, antes mesmo de me sentar, ouvi um esvoaçar pesado e.........lá estava ela. Desta vez comecei a cantar, primeiro baixinho e gradualmente levantei a voz para que os miudos me pudessem ouvir:
“ – Tenho uma coruja branca na minha janela...........tenho uma coruja na minha janela....abram a porta devagarinho se a querem ver...........mas não façam barulho.”
Cantei isto procurando uma melodia mais ou menos monocordica para que a coruja não se assustasse mas, claro, as crianças excitadas, abriram a porta com força e, aos berros, perguntaram onde estava a coruja. Ainda a conseguiram ver levantar voo e assim acreditaram no que tinha contado.
A partir desse dia as visitas eram diarias. Ficava 10 minutos às vezes um pouco mais, dava uma volta por cima da mesa e ía-se embora e eu contava-lhe o que tinha feito durante o dia.
Lembro-me de uma noite em que arrefeceu muito e eu não abri a janela , ela voou duas ou três vezes batendo com as asas no vidro. Corri a abrir a janela, evidentemente.
Assim passaram alguns meses , com a minha amiga alada a fazer-me companhia com as sua visitas diárias. Um dia vinha a subir a rua , da estação dos comboios e, qual não é o meu espanto, lá vinha ela voando alto para me acompanhar a casa. Desde esse dia deixei de subir aquela rua sozinha. Tinha sempre a minha amiga a fazer-me companhia lá no alto. Contei de novo aos meus filhos e, desta vez, já não duvidaram. Chegaram mesmo a presenciar a minha Branquinha ir-me buscar à estação. Chegou o Verão e eu entrei em férias. Durante 2 semanas deixei de ver a Branquinha e fiquei muito triste porque pensei que já não a tornava a ver mas, passadas duas semanas lá estava ela outra vez na minha varanda e piava imenso como se tentasse dizer-me alguma coisa.
Nessa altura ja tinhamos descoberto o ninho. No campanario da capela mortuária de S. Amaro de Oeiras que ficava em frente da nossa casa. Fui buscar os binoculos e, cheia de alegria, verifiquei que estavam duas coisinhas penugentas no ninho a gritar. A Branquinha estava a anunciar-me que tinha tido 2 filhotes.
A minha amizade com a coruja branca, a Branquinha como eu lhe chamava, ainda durou todo o verão mas em Outubro, terminou da forma mais brutal e trágica.
Ainda sinto desgosto quando me lembro disso.
O telhado da capela precisava de obras e eu tremi pela sorte da Branquinha. Vi estarem a pôr os andaimes e falei com os trabalhadores, avisei-os de que havia um ninho de coruja branca que era um animal raro e pedi-lhes para terem cuidado....mas era tarde. Um deles, rindo-se, disse-me que corujas davam azar . Tinham destruído o ninho matando a coruja e as crias.
A dôr e a raiva que senti fizeram-me odiar aqueles homens e quase desejei a sua morte como eles tinham feito à minha amiga, indefesa contra a estupidez, ignorância e maldade humanas.






Zica Caldeira Cabral